Não sei exatamente como foi que a história do equilibrista e da garotinha Angelina veio parar na minha cabeça, mas lembro que foi em uma manhã morna de outubro e que acordei com a voz de uma criança gritando:
– Cuidado! O senhor vai acabar caindo!
Deve ter sido um sonho, pensei. Virei-me de lado e constatei que Nina ainda dormia pesado, a luz fraca do abajur revelava o berço onde Joana repousava tranquila, às vésperas de completar seu décimo mês de vida. Fechei os olhos na tentativa de recuperar o sono e, quem sabe, também o sonho que naquele instante vinha em lampejos desconexos em minha cabeça.
Sob um viaduto alto, um fluxo rápido de automóveis produzia um intenso ruído que me fazia revirar na cama. Eu estava na beirada, pronto para me jogar. Olhei ao redor mais uma vez, não havia nenhum carro ou pedestre circulando sobre o pontilhão. Mas por que eu me lançaria para tal destino? Havia uma forte angústia, uma falta de ar, uma tontura.
– Cuidado! – a mesma voz chamou minha atenção, e acordei do primeiro sonho.
Angelina era uma negrinha de sete anos de idade que adorava Milk-shake de morango e cantigas de roda. Mas como eu sabia dessas coisas? De repente me dei conta de que estava sonhando, o que é muito perigoso, pois quando se toma a consciência de que tudo não passa de um sonho, a linha tênue que separa os dois universos está prestes a ser rompida de supetão. Por outro lado, é como se ganhássemos superpoderes, pois descobrimos que as leis da física não são tão importantes assim.
Foi assim que eu segurei na mão daquela garotinha e me lancei em uma jornada sem volta, anotando todas as pequenas aventuras e descobertas em um pequeno caderno branco, ou cor-de-rosa, não me lembro. A verdade é que quando acordamos, os detalhes vão se desvanecendo em degradê, na velocidade do nascer do sol. Por isso, lembro-me de ter levantado antes da alvorada e de sair do quarto na ponta dos pés, a fim de preservar o sonho mágico de Joana e começar a escrever a história de Antônio e Angelina, antes que o sol clareasse minha mente a ponto de me despertar do mundo real.